Fortalecimento dos governos subnacionais e locais, parcerias multinível e desmatamento ilegal zero são a base para a implementação de territórios mais resilientes e justos na América do Sul

Implementação de ações de adaptação, alinhadas à Justiça Climática, foram fortalecidas durante a COP27 e tendência é que dominem a agenda de clima nos próximos anos

18 de nov de 2022

 

O fortalecimento dos governos subnacionais e locais na agenda climática e de parcerias entre todos os níveis de governo e setores, além do combate ao desmatamento ilegal, são medidas apontadas como fundamentais para driblar os desafios que envolvem a implementação de territórios mais resilientes, sustentáveis, inclusivos, equitativos e justos na América do Sul, a região mais desigual do mundo e uma das que mais sofre com a crise climática. Esta visão foi compartilhada por lideranças políticas, especialistas, ativistas, representantes da sociedade civil e de empresas privadas da América do Sul, em eventos durante a 27ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), que ocorreu de 6 a 17 de novembro, em Sharm el-Sheikh.

 

 

Lideranças defendem a necessidade de maior protagonismo dos governos subnacionais e locais, das juventudes, das comunidades periféricas e dos povos originários na tomada de decisões da agenda climática, por meio do estabelecimento de uma governança multinível. Como resumiu o Gerente Regional de Relações Institucionais e Advocacy do ICLEI América do Sul, Bráulio Diaz, a colaboração e a cooperação multinível são a chave para a implementação de territórios mais sustentáveis e equitativos para todos. “Os prefeitos da América Latina e do Caribe estão na vanguarda da convivência com as pessoas que sofrem com essas crises e que se tornaram malabaristas para encontrar soluções. A COP tem sido uma grande experiência para os associados do ICLEI América do Sul, mas ainda precisamos ser centrais nos debates globais e na tomada de decisões. Não nos resta tempo, mas com o apoio dos governos nacionais e da comunidade internacional podemos manter o espírito do Acordo de Paris.”

 

 

Este ano, além da expectativa com relação às negociações de um Fundo de Perdas e Danos para apoiar países mais vulneráveis à crise climática, um encontro inédito ocorreu no “Solutions Day”: o “Ministerial Meeting on Urbanization and Climate Change at COP27”. Na oportunidade, a Presidência da COP27 lançou a iniciativa Sustainable Urban Resilience for the next Generation (SURGe) para apoiar cidades e regiões a se transformarem em sistemas urbanos saudáveis, sustentáveis, justos, inclusivos, de baixa emissão e resilientes para um futuro urbano melhor para todos.

 

 

 

 

Como representante da América Latina do Local Governments and Municipal Authorities (LGMA) Constituency, a Prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro, reforçou na reunião a importância da ação multinível para a implementação da segunda fase do Acordo de Paris e do Pacto Climático de Glasgow. “Vemos na Iniciativa SURGe o potencial para uma agenda bem estruturada de colaboração, comunicação e engajamento em vários níveis com as Partes da UNFCCC. Estamos prontos a contribuir e a cocriar com a Presidência da COP27, as Partes e o ONU-Habitat nesta iniciativa. Pedimos a todas as Partes que apoiem a iniciativa e providenciem a coordenação e o financiamento necessários. Tenho esperança de que, através de nossa forte cultura de ação e colaboração com todas as cidades pan-amazônicas envolvidas, seremos capazes de desenvolver uma importante contribuição para esta iniciativa.”

 

 

 

Adaptação e Justiça Climática dominam a agenda

 

Apesar de contribuírem significativamente menos para o aquecimento global, as cidades do Sul Global são as que mais sofrem com os efeitos de grandes crises, como pandemias e desastres relacionados ao clima. Neste contexto, esforços para uma transição energética justa, a implantação de sistemas alimentares saudáveis, circulares, inclusivos e sustentáveis, o combate ao desmatamento e a recuperação de áreas degradadas compõem o mosaico de iniciativas que vêm sendo desenvolvidas e defendidas por governos locais e subnacionais na região, e encontraram eco no novo governo nacional eleito no Brasil, o maior país da América do Sul.

 

 

Lideranças entendem que, ao fortalecer a segurança energética e alimentar, por exemplo, os territórios também têm a oportunidade de combater a pobreza energética, a fome e as desigualdades, se tornarem mais resilientes, incentivar a inovação e o uso de tecnologias, criar empregos verdes, gerar renda, reduzir emissões de gases do efeito estufa e avançar com as metas do Acordo de Paris. “Políticas de adaptação em territórios que garantem equidade e justiça são essenciais para os governos locais e regionais”, afirma Diaz.

 

 

Devido aos impactos provocados pela crise climática, sentida de forma cada vez mais intensa e frequente em todo o mundo, o Secretário Executivo do ICLEI América do Sul, Rodrigo Perpétuo, avalia que a implementação de ações de adaptação, alinhadas à Justiça Climática, tendem a se fortalecer ainda mais nas próximas COPs. “Desde a COP26, de Glasgow, esta pauta vem ganhando força e a tendência é que passe a dominar as negociações nos próximos anos porque o movimento de repetição e intensidade dos eventos extremos vem se acentuando e afetando as cidades e as populações, especialmente as mais vulneráveis.”

 

 

 

Parcerias multinível

 

Neste contexto, uma aliança foi firmada, em 10 de novembro, a partir de intercâmbio promovido pelo ICLEI, entre representantes de governos locais do Brasil e de Moçambique. Os Prefeitos Axel Grael, de Niterói, Ary Vanazzi, de São Leopoldo, e Manuel de Araújo, de Quelimane, e o Secretário de Agricultura e Pesca de Maricá, Julio Cesar Santos, assinaram a Carta de Sinai. Além de fortalecer a cooperação entre as comunidades de língua portuguesa, a parceria pretende promover o intercâmbio regular de experiências sobre sistemas alimentares urbanos e mobilidade, contribuindo com políticas públicas nestas áreas.

 

 

“A COP tem sido uma grande oportunidade para networking e para apresentar estas ações a potenciais parceiros, além de uma grande plataforma de intercâmbio com outras cidades e regiões do mundo, principalmente com a África e Ásia como regiões do Sul Global”, afirma Diaz.

 

 

 

 

Com o apoio do ICLEI, outra importante aliança foi firmada em 12 de novembro por representantes dos Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul, por meio do Conselho de Desenvolvimento e Integração (Codesul). Com economias baseadas na agricultura e na pecuária, os quatro Estados brasileiros se comprometeram em estabelecer metas para a promoção de padrões sustentáveis para as atividades do setor primário e a elaborar um Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono. O Protocolo de Intenções também prevê o fortalecimento de políticas e medidas para alcançar o desmatamento ilegal zero, a recuperação de florestas, a substituição gradativa de fontes fósseis e a atuação em bloco contra a crise climática.

 

 

 

A maior Delegação da América do Sul em uma COP

 

Com mais de 70 representantes e participação em mais de 40 eventos em Sharm el-Sheikh, a Delegação do ICLEI América do Sul contou com dois governadores (Krist Naranjo e Renato Casagrande), seis governos estaduais brasileiros (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Pernambuco, Minas Gerais e Espírito Santo), um governo regional chileno (Región de Coquimbo), sete prefeitas e prefeitos (Axel Grael, Cinthia Ribeiro, Ary Vanazzi, Gonzalo Duran, Carolina Leitao Álvarez-Salamanca, Alvaro Henry Barrera e Gonzalo Braidot) e 14 cidades (São Paulo, Niterói, Palmas, Porto Alegre, São Leopoldo, Tópaga, Intendencia, Avellaneda, Peñalolen, Maricá, Esteban Echeverría, Rosario, Rio de Janeiro e Belo Horizonte) de quatro países (Argentina, Brasil, Chile e Colômbia). “Esta é a maior Delegação que o ICLEI América do Sul já levou para uma COP e inúmeras experiência e casos de sucesso foram apresentados e estão sendo desenvolvidos nos territórios, tanto dos governos que foram para o Egito, quanto dos que não puderem participar da Conferência”, destacou Perpétuo.

 

 

O Secretário Executivo destacou ainda que o grande recado da COP27 é a implementação da ação climática, especialmente nas cidades. “Sigam transversalizando a agenda climática, aprofundando os critérios climáticos em cada uma das políticas públicas, e trabalhando para que os governos nacionais dos seus países reconheçam a importância dos municípios nas suas NDCs e políticas nacionais do clima. Só assim conseguiremos aumentar o acesso a recursos para dar escala à implementação da agenda climática da maneira mais urgente possível”, incentiva Perpétuo.

 

 

Confira abaixo iniciativas de baixo carbono, baseadas na natureza, equitativas, resilientes e circulares que estão sendo desenvolvidas na região e foram apresentadas em eventos como, “Resiliência nas Cidades Latino-Americanas – Perdas e Danos a nível subnacional”, “Justiça Climática nas Cidades Brasileiras – desafios ao enfrentamento às mudanças climáticas e desigualdade social”, “Cidades Verdes Iberoamericanas”, “Nature based solutions and circular development strategies  to address the climate emergency in Latin America”, que ocorreram no Multilevel Action Pavilion (ICLEI LGMA Pavilion); “Transição (realmente) justa: a transformação energética acontece nas cidades” e “De Glasgow a Sharm El-Sheikh: avanços na Campanha Race to Zero e novos investimentos”, que ocorreram no Brazil Climate Action Hub, entre outros eventos.

 

 

 

Empregos verdes

 

A cidade de São Paulo, parceira do ICLEI LGMA Pavilion na COP27, desenvolve o Programa Green Sampa, espaço de aceleração de startups ligadas a temas ambientais, e o PanClima SP, que prevê mais de 40 ações para lidar com as questões climáticas, como a criação de empregos verdes. Também estão avançando com seus Planos de Ação Climática os Estados de Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais e as cidades de Porto Alegre e Palmas (que anunciou na COP27 a implementação da Conformidade Climática Completa do ICLEI – Governança Climática, Inventário de Emissões de GEE, Análise de Riscos e Vulnerabilidades Climáticas, Plano de Ação Climática e Normativa Climática).

 

 

Sistemas alimentares e segurança alimentar


São Paulo, a maior cidade de América do Sul, com 30% do território rural e 48% de cobertura verde (meta para 2024 é 50% de cobertura verde), desenvolve os projetos Sampa+Rural e Ligue os Pontos de valorização da agricultura local e orgânica e pagamento por serviços ambientais.  Em Maricá, cidade do Estado do Rio de Janeiro, as Praças Agroecológicas e os jardins comestíveis são referência em agricultura urbana no Sul global. Para reduzir o desperdício e prolongar a validade de alimentos, o município ainda possui a Fábrica de Desidratados Prefeito Édio Muniz. Maricá também participa do Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares (LUPPA), o maior laboratório de cidades na área de sistemas alimentares do Brasil. O LUPPA é uma plataforma colaborativa, que facilita a construção de políticas alimentares municipais integradas, participativas e com abordagem sistêmica, idealizado pelo Comida do Amanhã e realizado em conjunto com o ICLEI América do Sul.

 

 

Governança e Justiça Climática

 

Niterói, a primeira cidade brasileira a criar uma Secretaria Municipal para tratar de forma transversal sobre clima, também é referência em governança climática. Instituiu o Comitê Intersecretarial de Adaptação e Mitigação das Mudanças Climáticas – COMCLIMA e o Fórum das Juventudes em Mudanças Climáticas de Niterói e, mais recentemente, o “IPCC municipal” para que as universidades subsidiem a prefeitura com dados climáticos para a criação de políticas públicas mais assertivas. Além disso, criou uma moeda social, chamada Araribóia, que incentiva a adoção de ações climáticas em comunidade vulnerável. Há dezenas de outras iniciativas em curso, como a estratégia de Soluções baseadas na Natureza de Quito, e a gestão da água em Independência e Peñalolen.

 

 

 

Transição energética justa e economia circular


Palmas apresentou na COP27 o projeto Palmas Recicla, iniciativa que passou por mentoria do projeto Amazônia pelo Clima e tem como objetivo a estruturação integral da coleta seletiva, desde a etapa de sensibilização até a destinação final adequada dos recicláveis e rejeitos, com integração de catadores. Em Porto Alegre, por meio do Action Fund, iniciativa gerida pelo ICLEI e financiada pela Google.org, foram instaladas placas fotovoltaicas e biodigestores em duas escolas municipais de comunidade vulnerável. Além de reduzir a conta de luz, a iniciativa circular também promove a redução do uso de gás de cozinha, a partir da geração de biogás com resíduos orgânicos gerados nas escolas. Agora, o município planeja a implementação da eletrificação da frota de ônibus. Na Argentina, Avellaneda possui Política de Eficiência Energética e Rosário está testando um projeto piloto de sistema de bicicletas públicas com cestas de carga, um modo de mobilidade sustentável destinado a trabalhadores, empresários e comerciantes para o transporte de encomendas na área central da cidade. A iniciativa integra o projeto “EcoLogistics: Low-Carbon Freight Transport for Sustainable Cities“, financiado pela Iniciativa Climática Internacional (IKI) do Ministério Federal Alemão do Meio Ambiente, Conservação da Natureza, Segurança Nuclear e Proteção ao Consumidor (BMU) com o apoio do ICLEI. E Santa Catarina anunciou na COP27 a abertura de licitação para compra de ônibus elétricos a partir do apoio do projeto TUMI E-Bus Mission, que conta com o apoio do ICLEI.

 

 

 

Por: Cibele Carneiro
cibele.carneiro@iclei.org

Tags: COP27


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