Por que a América Latina precisa de sistemas alimentares sustentáveis ​​com tanta urgência

A região é uma das maiores produtoras de alimentos do mundo, e também detentora de um dos maiores grupos de famintos

27 de jul de 2021

Horta Comunitária Vitória Régia | Curitiba, Brasil

Segundo estimativas da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (CEPAL), ao final de 2020 a queda do produto interno bruto (PIB) foi de 7,7% na região latino-americana, enquanto nos anos anteriores, entre 2014 e 2019, registrou baixo crescimento, em torno de 0,3%. Junto com uma contração econômica, há sempre uma crise social e aquela que se originou com a pandemia Covid-19 certamente será a mais forte dos últimos 100 anos, elevando o número de pessoas em situação de pobreza para mais de 190 milhões – 72 milhões de que estão em extrema pobreza. Nesse contexto de crescente desigualdade social, aumento da taxa de desemprego e redução da renda da população, ocorre uma grave escalada da insegurança alimentar nos centros urbanos da região que deve ser enfrentada com políticas públicas.

Mas mesmo com o aprofundamento da crise alimentar, o Panorama Agrícola da OCDE-FAO 2019-2028 prevê que a América Latina e o Caribe serão responsáveis ​​por mais de 25% das exportações agrícolas e pesqueiras globais até 2028.

 

Em 2020, o aumento da fome no Brasil, assim como em outros países, também foi afetado pela pandemia. No entanto, não é apenas o efeito da Covid-19 que explica a piora da segurança alimentar entre os brasileiros. De acordo com dados de 2020 da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), 19 milhões de brasileiros vivem à beira da fome.

 

No contexto da pandemia global e emergência climática, o ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade em aliança com a FAO – Organização para Alimentos e Agricultura das Nações Unidas organizou conjuntamente o evento “Cúpula Independente Diálogo sobre Sistemas Alimentares em Cidades Latino-Americanas”. Este diálogo é uma contribuição para o processo de preparação dos debates para a Cúpula dos Sistemas Alimentares das Nações Unidas 2021, que reunirá diferentes setores da sociedade (governos subnacionais, representantes das áreas de ciência, negócios, política, saúde e academia, bem como agricultores, povos indígenas, organizações de jovens, grupos de consumidores, ativistas ambientais e outros atores relacionados) para compartilhar suas perspectivas, desafios e soluções para o cronograma de segurança alimentar.

 

As salas de discussão do “Diálogo Cúpula Independente sobre Sistemas Alimentares em Cidades Latino-Americanas” contaram com a presença de cerca de 140 participantes, 40 governos locais da região da América Central e da América Latina e 27 instituições parceiras (organizações da sociedade civil, organizações nacionais e internacionais e Redes de Cidades) e 10 universidades de mais de 50 cidades em 11 países da América Latina.

 

Durante a abertura do evento, a cidade de Belo Horizonte (Brasil) fez uma apresentação sobre os 27 anos de experiência da cidade com a Política Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional que fortaleceu significativamente os sistemas alimentares metropolitanos e as ações emergenciais para apoiar as cidades no enfrentamento eficaz dos efeitos. da pandemia Covid-19. Darklane Rodrigues Dias, Subsecretário de Segurança Alimentar e Nutricional, afirmou que “não se trata de promover quaisquer sistemas alimentares, mas sim de realizar uma grande força-tarefa para colocar em prática sistemas alimentares que garantam a soberania e governança alimentar de uma forma saudável e agroecológica caminho”.

 

O evento também contou com quatro salas de discussão temática, cada uma sediada nas cidades de Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo, do Brasil, além de Lima (Peru), onde representantes de governos municipais, estados, sociedade civil e setor privado puderam discutir a importância dos governos subnacionais nos sistemas globais de alimentos e a necessidade de cidades e estados terem acesso a políticas públicas e recursos financeiros

 

 Curitiba Brasil:

  • A cidade de Curitiba apresentou seus programas de Fazenda Urbana, “Mesa Solidária” e Mercado Comum Metropolitano em suas discussões. Felipe Thiago de Jesus, Diretor do Departamento de Estratégias de Segurança Alimentar e Nutricional destacou o papel da capital na promoção da Agricultura Familiar Metropolitana, a importância dos esforços intersetoriais no combate à fome. Estes são alguns dos esforços que a Prefeitura Municipal de Curitiba destacou em particular:
  • Projeto de destinação adequada e separação de resíduos orgânicos para fomento à agricultura urbana;
  • Conservação e garantia da qualidade da água na produção de alimentos (hortas, fazendas urbanas);
  • Revisão de planos diretores e zoneamento de municípios.
  • PRODAM – Programa de Desenvolvimento Agroalimentar da Região Metropolitana de Curitiba.

 

 Rio de Janeiro, Brasil:

  • A cidade do Rio de Janeiro abordou o papel crescente da agricultura urbana na melhoria da segurança alimentar durante e após a pandemia global de Covid-19. A cidade destacou a importância das políticas públicas de produção agroecológica como estratégia de recuperação econômica e combate à pobreza pós-pandêmica, bem como a importância dos saberes e práticas tradicionais nas políticas públicas de alimentação. Durante a explicação, Eduardo Cavaliere, secretário de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, destacou os compromissos da cidade para os próximos anos:
  • Dobrar a produção do Programa Hortas Cariocas até 2030.
  • Aumentar em 30% a área agricultável da Cidade do Rio de Janeiro.
  • Estabelecer a Política Municipal de Agricultura Urbana e retomar o Conselho de Desenvolvimento Rural, estimulando a participação permanente da sociedade civil nas políticas alimentares do Município do Rio de Janeiro.
  • Aumentar as compras da Prefeitura do Rio de Janeiro no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), incentivando a alimentação sustentável nas escolas.
  • Criar planos plurianuais de segurança alimentar e nutricional para integrar todas as agendas relacionadas ao sistema alimentar

 

São Paulo, Brasil:

Como apontou a FAO, um terço da produção mundial de alimentos é desperdiçado nas fases de consumo e comercialização de alimentos, mostrando que a fome não é apenas uma questão de falta de recursos, mas também de má gestão dos recursos disponíveis. Nesse sentido, Armando Jr., Secretário Adjunto da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Paulo que facilitou a discussão em sala de convívio, destacou o programa Banco de Alimentos da Prefeitura de São Paulo e o programa de Combate ao Desperdício de Alimentos.

 

Ambos os programas trabalham juntos visando uma melhor destinação de alimentos em detrimento do desperdício no município, e o programa Combate ao Desperdício de Alimentos trabalha para arrecadar doações de insumos em feiras e mercados – de 300 a 400 toneladas arrecadadas por ano durante 2017 e 2019. Em 2020, a coleta atingiu 2.264 toneladas e, até maio de 2021, foram coletadas aproximadamente 776 toneladas.

 

O Programa Banco de Alimentos Municipal, por sua vez, visa a compra de alimentos da agricultura familiar, arrecadação de alimentos das indústrias alimentícias, redes varejistas e atacadistas fora dos padrões comerciais, mas sem restrições sanitárias ao consumo. Esses alimentos são doados para cerca de 400 instituições de caridade, previamente cadastradas no programa, contribuindo assim para o combate à fome e ao desperdício de alimentos. Por outro lado, as entidades beneficiadas participam de atividades de capacitação e educação alimentar e nutricional. Além disso, os alimentos coletados em más condições de uso são destinados às centrais de compostagem de São Paulo.

 

Lima, Peru

Lima coordenou um debate sobre as principais ações em resiliência e circularidade e ações que estão sendo realizadas durante e preparação para a pós-pandemia como a promoção da compostagem e a implantação de hortas orgânicas, especialmente em áreas vulneráveis ​​da cidade, onde a situação levou residentes para organizar e formar vários potes comuns autossustentáveis.

 

Atualmente, através da capacitação e apoio da Prefeitura Metropolitana de Lima, foi possível implantar 19 hortas orgânicas em escolas, 2 hortas orgânicas em berços municipais, 525 hortas orgânicas em residências e 8 hortas comunitárias. Paralelamente, existe a Portaria 1629, que promove a agricultura urbana como estratégia de gestão ambiental, segurança alimentar, inclusão social e desenvolvimento econômico local na província de Lima. Este instrumento promoverá a agricultura urbana como uma das diretrizes da política ambiental do Município Metropolitano de Lima.

 

 

Ximena Giraldo, Gerente de Serviços Municipais e Gestão Ambiental, também falou sobre a importância de gerar ações articuladas em nível multistakeholder que permitam a replicabilidade e dimensionamento de políticas públicas e boas práticas de inocuidade dos alimentos.

 

Rodrigo Perpétuo, Secretário Executivo do ICLEI América do Sul, lembra que dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS), “pelo menos dez estão envolvidos em processos alimentares, saúde, igualdade de gênero, processos de mercado curto, sistemas sustentáveis ​​e mudanças climáticas”. Perpétuo disse ainda que com a consolidação da área de atuação do desenvolvimento circular, o ICLEI South America incentiva a troca de perspectivas nas cidades que se comprometem a trabalhar para erradicar a pobreza e a fome. “Estamos atentos às recomendações e à continuidade de processos que possibilitem a implementação de ações com impacto urgente no aspecto da fome”.

 

O diálogo destacou a importância dos governos subnacionais na construção de sistemas alimentares sustentáveis

Diante dessa situação, fica claro que o desafio será enfrentado nas cidades, pois são as cidades onde vivem 85% da população. Também neste contexto, estão previstos compromissos internacionais, como o Pacto de Política Alimentar Urbana de Milão e a Declaração Alimentar e Climática de Glasgow, que são marcos globais importantes que estabelecem compromissos de governos locais e apontam ações práticas urgentes que estimulem o desenvolvimento dos sistemas alimentares. visa a promoção da biodiversidade, regeneração e resiliência do ecossistema, circularidade, equidade, acesso a dietas saudáveis ​​e sustentáveis ​​para todos e a criação de meios de subsistência resilientes para trabalhadores do setor agrícola e alimentar, contribuindo assim para a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

 

 Durante o evento, foram destacadas as seguintes recomendações para melhorar os sistemas alimentares nas cidades latino-americanas:

 

  • Incluir a agenda de alimentação saudável e produção de alimentos sustentáveis ​​como critério obrigatório para a alocação de recursos relacionados ao combate à crise climática.

 

  • Propõem que a declaração final da conferência incentive os Estados membros a incluírem os governos locais em suas políticas nacionais, especialmente as cidades, proporcionando-lhes recursos financeiros e técnicos, bem como diretrizes para a formulação de suas políticas públicas locais (indicador de impacto relacionado aos respectivos ODS e aumento de pelo menos 5% no orçamento transferido aos municípios para esse fim até 2030).

 

  • Criação de um programa de cooperação entre cidades, com o objetivo de destacar as melhores práticas e divulgar exemplos replicáveis ​​de políticas locais (por exemplo: programa bienal, abrangendo pelo menos 15 cidades da região por ano, com indicadores de impacto vinculados aos ODS correspondentes).