ICLEI, 30 anos: “Esse aniversário representa uma inflexão rumo à maturidade”

Em setembro de 2020, o ICLEI - Governos Locais pela Sustentabilidade completa 30 anos. Em entrevista, Rodrigo Perpétuo, secretário executivo do ICLEI América do Sul, e Pedro Jacobi, presidente do Conselho Diretor, refletem sobre este marco

25 de set de 2020

Crédito: ICLEI

Nova York, setembro de 1990. Durante a realização do I Congresso Mundial de Governos Locais por um Futuro Sustentável, na sede da Organização das Nações Unidas, uma articulação entre 200 governos locais de 43 países resultou na fundação do International Council for Local Environmental Initiatives (ICLEI). Já em 2003, a organização foi rebatizada como ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade.

 

Em setembro de 2020, o ICLEI completa 30 anos de existência. Ao longo dessas três décadas, a organização expandiu sua influência para todos os continentes do planeta, e estabeleceu uma rede da qual participam cerca de dois mil governos locais e subnacionais. 

 

Na América Latina, a atuação do ICLEI teve início em 1994. Dois anos depois, foi aberto o primeiro escritório na região, em Santiago (Chile). Em 2000, esse escritório regional se mudou para o Rio de Janeiro (Brasil). Já entre 2006 e 2010, a cidade de Buenos Aires (Argentina) foi escolhida como sede do Secretariado para a América Latina e Caribe.

 

O ano de 2011 marcou o início de um novo modelo para a operação do ICLEI na região, com a separação das atividades em dois secretariados: um para a América do Sul, sediado em São Paulo (Brasil), e outro para o México, América Central e Caribe, estabelecido na Cidade do México. Recentemente, o Secretariado para a América do Sul ganhou o apoio de escritórios regionais em Bogotá (Colômbia) e Santa Fé (Argentina) para a execução dos projetos na região.

 

Em entrevista, o atual secretário executivo do ICLEI América do Sul, Rodrigo Perpétuo, reflete sobre a data comemorativa. “Esse aniversário representa uma inflexão da organização rumo à maturidade”, aposta Perpétuo. Já Pedro Jacobi, presidente do Conselho Diretor da organização desde 2011, enxerga nos 30 anos do ICLEI uma oportunidade para fortalecer a atuação regional. “Na América do Sul, existe um procedimento para que os governos locais não simplesmente se vinculem à rede, mas para que também se envolvam com o ICLEI.”

 

Confira a seguir as entrevistas:

 

1) O que o aniversário de 30 anos do ICLEI representa para o secretariado da América do Sul?

 

Rodrigo Perpétuo: Completar 30 anos é um marco importante para qualquer instituição. Para o ICLEI América do Sul, esse aniversário representa uma inflexão da organização rumo à maturidade, consolidando movimentos relacionados à gestão e organização interna e preparando a entidade para gerar cada vez mais valor agregado para os governos locais associados e para todos os parceiros e financiadores.

 

Pedro Jacobi: Sempre me interessei pela temática urbana, e desde a década de 1990 também estou envolvido com a temática ambiental. Na minha visão, a agenda do ICLEI sempre foi inovadora, mas com perfil um tanto fragmentada. 

 

Essa agenda vem se fortalecendo desde meados dos anos 2000, quando a temática da mudança do clima ganha mais visibilidade e concretude em soluções na gestão das cidades. Resiliência, biodiversidade urbana, economia circular e redução das emissões de gases de efeito estufa fazem parte de um conjunto de aspectos que caracterizam a ação do ICLEI.

 

Sou presidente do Conselho Diretor desde 2011 e, deste então, acompanho essa trajetória do ICLEI América do Sul. Temos hoje um Conselho muito sólido e consistente, que tem forte diálogo com a direção. Vejo atualmente um movimento de expansão na região. Se já tínhamos atividades e ações com diversas cidades latino-americanas, esse número vem crescendo nos últimos três anos, com a adesão de governos importantes, como a Área Metropolitana do Vale do Aburrá, na Colômbia, e a província de Santa Fé, na Argentina. Ao mesmo tempo, o ICLEI América do Sul vem se fortalecendo através de suas parcerias e de seus novos projetos institucionais.

 

 

2) Quais são as particularidades que você destacaria na atuação do ICLEI América do Sul?

 

RP: A primeira particularidade é que a atuação do ICLEI em nossa região é permeada também pelo desafio das desigualdades sociais. Não podemos nos afastar desse compromisso de reduzi-las permanentemente, o que impõe uma complexidade e um desafio adicional à nossa ação.

 

Em relação à história na região, creio que a peculiaridade está no fato de que a sede do Secretariado já foi baseada em quatro cidades distintas: Santiago, Buenos Aires, Rio de Janeiro e, atualmente, em São Paulo. O modelo de descentralização que estamos implementando fará com que o ICLEI esteja cada vez mais próximo dos seus associados e que compreenda cada vez mais os contextos político-institucionais que permeiam cada um dos países da América do Sul. A abertura dos escritórios na Colômbia e na Argentina é um passo muito significativo nessa direção.

 

PJ: Vejo que, na América do Sul, estamos fortalecendo o diálogo entre os governos locais associados. Ainda temos uma operação muito centrada no Brasil, mas há um esforço cada vez maior para reforçar a atuação na América do Sul. Nesse sentido, considero que o ICLEI – ao ter a adesão de uma região metropolitana da Colômbia, como a de Medellín – passa a ter um potencial de expansão muito grande.

 

Na América do Sul, existe um procedimento de operação, gestão e aderência para que os governos não simplesmente se vinculem à rede, mas que também se envolvam com o ICLEI. Há um conjunto de cidades brasileiras com uma aderência muito forte e isso significa ter um corpo técnico com disponibilidade para essa interlocução com os governos locais. Não é uma tarefa simples.

 

3) Nessas três décadas de existência, a rede global de governos subnacionais do ICLEI já conta com quase duas mil cidades, estados e regiões metropolitanas. Como você enxerga os próximos 30 anos do ICLEI?

 

RP: O desafio do ICLEI é reinventar-se e perceber que já não é suficiente propor e fomentar ações de advocacy e campanhas em prol do compromisso pela sustentabilidade (que seguem sendo fundamentais), mas também encontrar formas de atuar de maneira mais concreta na ponta, em parceria com organizações locais, fomentando cada vez mais a transformação por meio de ações programáticas, robustas, escaláveis e replicáveis. 

 

Vejo que é esse o caminho para que o ICLEI siga grande e relevante em meio a um ecossistema que recebe cada vez mais redes e associações de governos locais.

 

 

PJ: Eu quero ver o ICLEI cada vez mais robusto, com seu papel fundamental na disseminação de práticas para promover ações pela sustentabilidade urbana.

 

Nos próximos 30 anos, o cenário é preocupante em termos de mudança do clima. É um grande desafio para as cidades se prepararem para isso, o ICLEI tem uma agenda que pode promover a redução dos impactos dessa mudança e avançar cada vez mais em programas que permitam a elaboração de planos de adaptação e mitigação, além de estimular o reaproveitamento de materiais e consumo consciente que representam a economia circular. 

 

Em termos globais, vemos na maioria dos continentes – principalmente na África, na Ásia e na América Latina – cidades que evidenciam cada vez mais os aspectos da desigualdade e da vulnerabilidade social. O ICLEI tem um papel muito importante de reduzir os passivos ambientais e fortalecer as boas práticas e políticas sustentáveis que tenham impacto na própria equidade e na redução dessa vulnerabilidade e desigualdade.

 

A participação de organizações da sociedade civil é essencial para incentivar a transformação da gestão pública em sustentável. Vivemos em uma sociedade que produz seu próprio risco e precisamos produzir também formas de urbanização que sejam mais resilientes e mudem práticas inadequadas e insustentáveis nas cidades: não podemos ter rios contaminados nem aterros sanitários no território urbano; não podemos perder a biodiversidade em nossas cidades nem priorizar o transporte individual. Em sua agenda, o ICLEI possui expertise e conhecimento técnico para substituir esse “não podemos” por programas, projetos e ações em prol da sustentabilidade urbana.