Prefeitas “guerreiras” da Amazônia inspiram delegações da COP25 com histórias de resiliência

Cada uma das prefeitas da Amazônia enfrenta enormes pressões devido a fatores que vão da pobreza ao aquecimento global

08 de dez de 2019

Esquerda para direita: Prefeitas Teresa Surita, Fernanda Hassem e Rosita Chaves

“O governo federal está negligenciando a Floresta Amazônica. Eles não estão comprometidos com a floresta e estão deixando as pessoas que vivem nela muito vulneráveis”. Essas palavras não vieram de um editorial do New York Times, mas de Rosaria Chaves, prefeita de Cururupu, município do Maranhão, Brasil.

 

A prefeita Chaves, que ganhou amplo reconhecimento pelo olhar em esforços locais de conservação e pela promoção da agricultura familiar sustentável, expressou suas opiniões durante a sessão de prefeitas da Amazônia na COP25, em Madri. Chaves compartilhou o espaço de fala com duas outras prefeitas notáveis, Fernanda Hassem, do município de Brasiléia, no estado de Acará, e Teresa Surita, prefeita de Boa Vista, capital do estado de Roraima.

 

Cada uma das prefeitas da Amazônia enfrenta enormes pressões devido a fatores que vão da pobreza ao aquecimento global e preconceitos inerentes contra o fato de serem líderes femininas. Mesmo assim, continuam determinadas a lidar com as adversidades em vez de sucumbir aos muitos desafios que enfrentam.

 

O pensamento de resistência foi enaltecido pela prefeita mais jovem entre elas. Fernanda Hassem, de 37 anos, falou do impacto que a mudança climática causou em sua comunidade: “Temos duas temporadas: muita chuva e menos chuva”. Apesar disso, a prefeita afirmou que ela e seus eleitores estão aprendendo a lidar com os desafios associados a esse clima agressivo, pois são um povo muito enérgico: “Nós somos combativos. Nós somos guerreiros”.

 

A prefeita Hassem conta que, em uma grande enchente recente, 70% das terras locais ficaram submersas. Em 2015, porém, mais de 80% da área estava inundada. Em resposta a esses desastres, ela diz que a comunidade aprendeu a trabalhar mais estreitamente, reunindo seus recursos de trabalho e financeiros para enfrentar esses problemas de maneira direta: “Por meio da reconstrução criamos empregos como parte de novas parcerias público-privadas”.

 

Todas as três prefeitas disseram que outro grande desafio para suas respectivas comunidades é que muitas estão geograficamente dispersas em áreas de floresta remota ou ilhas periféricas, onde a falta de energia e iluminação dificulta seriamente a qualidade de vida.

 

A prefeita Teresa Surita, de Boa Vista, levou sua comunidade a uma nova direção. Boa Vista é uma comunidade com uma longa história de dependência do carvão como recurso energético, mas ela investiu pesadamente em energia solar, desde a alimentação de edifícios, iluminação de rua e até o teatro local. “Inicialmente, as pessoas nos perguntaram se esse [investimento em energia solar] realmente iria funcionar. Mas agora eles descobriram que têm um suprimento de energia melhor e mais confiável”. Ela calcula que os investimentos em painéis solares se pagam em cinco anos e, por causa disso, agora estão construindo uma nova usina de 5 megawatts.

 

Outro desafio comum dessas comunidades do norte é a segurança alimentar. A prefeita Chaves disse que, no passado, havia um suprimento inadequado de alimentos a ponto de residentes de todas as idades estarem sofrendo o estresse e o trauma associados à fome, incluindo crianças em idade escolar. Ela disse que seu município respondeu por meio de uma série de iniciativas, desde a construção de casas verdes até o rápido acompanhamento da criação de novos jardins residenciais, onde os habitantes locais estão sendo ensinados a cultivar alimentos. “São principalmente as mulheres que cultivam esses jardins e agora elas podem vender seus alimentos como fonte de renda. Agora, estamos comprando esse alimento para a merenda escolar e, para muitas crianças, é a refeição mais importante do dia”.

 

Em contraste com a incapacidade do governo federal de lidar com o desmatamento, a prefeita Chaves diz que sua comunidade embarcou em um extenso programa de plantio de árvores, além de estabelecer uma área de conservação que abrange 90% das terras locais. “Estamos fazendo a nossa parte para proteger nossos recursos e combater as mudanças climáticas. Gostaria apenas que o governo brasileiro levasse em conta o que estamos fazendo”, observou ela.

 

Como parte das considerações finais, a prefeita Hassem também ressaltou que o governo federal não está fazendo o suficiente para apoiar esforços no nível local. “Acreditamos que é preciso haver mais supervisão para impedir o aumento de incêndios florestais. Temos propriedades e fazendas que estão sendo queimadas por falta de respeito. A Amazônia tem a maior biodiversidade de qualquer floresta do planeta. Portanto, não podemos permitir retrocessos [quando se trata de proteger a floresta] ”, disse ela, consternada.

 

 

Ela ainda acrescentou: “sabemos que não estamos brigando sozinhos e há muitos atrás de nós. Enfrentamos muitos desafios. Mas não quero olhar para trás. Precisamos esperar com esperança”.