ICLEI América do Sul recebe Cláudio Maretti como Senior Fellow de Áreas Protegidas e Biodiversidade

Com mais de 40 anos de experiência em áreas protegidas, ordenamento territorial, comunidades locais e tradicionais e desenvolvimento sustentável, Cláudio Maretti está atuando como Senior Fellow de Áreas Protegidas e Biodiversidade.

12 de jul de 2023

 

Em 2023, o ICLEI América do Sul agregou à equipe profissionais com experiência de mais de 10 anos no mercado para qualificar ainda mais o trabalho desenvolvido junto aos governos locais associados. Entre eles, está Cláudio C. Maretti, Senior Fellow de Áreas Protegidas e Biodiversidade.

 

Atualmente, é pesquisador, pós-doutorando sobre conservação colaborativa na Geografia USP (Universidade de São Paulo), consultor, senior fellow do ICLEI e voluntário. É membro do Comitê de Especialistas da Lista Verde de Áreas Protegidas e Conservadas (“EAGL”) para o Brasil, da Comissão Mundial de Áreas Protegidas (CMAP) da UICN, da Rede Saúde e Natureza Brasil, do Conselho do Centro Internacional de Água e Transdisciplinaridade (Cirat) e do Coletivo Socioambiental de Atibaia, entre outras contribuições. 

 

Ao longo de sua carreira, foi presidente e diretor do ICMBio, coordenador do III Congresso de Áreas Protegidas da Latino-América e do Caribe (em Lima, 2019), vice-presidente regional da Comissão Mundial de Áreas Protegidas da UICN, líder da Iniciativa Global Amazônica pela Rede WWF, diretor do WWF-Brasil, coordenador técnico pela UICN na África Ocidental e diretor e técnico da Fundação Florestal de São Paulo, entre outras ocupações no país e internacionalmente.

 

 

Confira abaixo a íntegra da entrevista com Cláudio Maretti:

 

 

– Quem é Cláudio Maretti?

 

Cláudio Maretti é um senhor, pai e avô! Resolvi parar de ter empregos fixos para poder morar perto da floresta. Sou apaixonado pela causa do trabalho, não o trabalho em si, mas é a causa que me motiva e a vontade de contribuir para a conservação da natureza e, sobretudo, para melhorar a qualidade de vida das pessoas. 

 

Atualmente, eu vivo em Atibaia, em uma casa no campo, colada em uma unidade de conservação. Parte do meu quintal já é uma floresta de conservação. 

 

Sou casado e um dos meus prazeres é receber visitas da família e dos amigos.

 

 

– Quais as principais experiências adquiridas ao longo da sua carreira que entende irão contribuir com seu trabalho junto ao ICLEI?

 

Eu comecei minha vida profissional preocupado com os danos sociais, trabalhando com deslizamentos e áreas instáveis de encostas nas regiões metropolitanas. Depois, fui trabalhar no litoral de São Paulo e, a partir daí, me especializei em áreas protegidas. Entendi que, infelizmente, a sociedade não é sustentável, então precisamos desses santuários, que são áreas que preservam elementos da natureza. Ao longo da vida, percebi que essas áreas devem ser não apenas de resistência, mas também de transformação da sociedade. 

 

Trabalhei no Brasil, na África e em diferentes lugares da América Latina, como Galápagos. Fui líder de iniciativas globais que trabalhavam com os nove países amazônicos e líder governamental de áreas protegidas em nível nacional e subnacional. Ajudei a montar sistemas em outros países e, nos últimos anos, com essa nova perspectiva de atuação, acredito que é meu tempo de retribuir à sociedade mais do que simplesmente pensar em minha carreira. 

 

Portanto, abri minha perspectiva para outros enfoques e percebi que algumas áreas protegidas são muito importantes para conservar a biodiversidade e reduzir as expectativas das mudanças climáticas. Nesse sentido, grandes parques nacionais e reservas extrativistas na Amazônia, Pantanal e ao largo da costa brasileira no mar territorial são muito importantes. Por outro lado, existem coisas que dependem de áreas protegidas mais próximas das pessoas. Nos últimos tempos, aprendi que os sistemas locais de áreas protegidas e conservadas (estaduais, municipais e as não oficiais) são fundamentais, pelo menos em duas frentes indispensáveis para a qualidade de vida:

 

  • Enfrentamento das consequências da emergência climática.
  • Promoção da saúde e bem-estar da sociedade.

 


– Como conheceu o ICLEI e quais as expectativas com relação à parceria?

 

Justamente ao começar a trabalhar com áreas protegidas locais e me engajar na defesa dos acordos globais pela conservação da natureza, especialmente focado na ecologia e nos processos ecológicos, entendi que para lidar com as mudanças climáticas é crucial envolver os governos subnacionais, entidades não governamentais, comunidades, povos indígenas, comunidades tradicionais, setor privado, entre outros. No caso da biodiversidade, ainda havia uma grande concentração no papel dos governos nacionais, mas isso tem evoluído nas últimas décadas. Dediquei-me a estudar a história e os conceitos relacionados às áreas protegidas e sistemas de áreas protegidas, e passei a defender o reconhecimento nacional e internacional dos esforços subnacionais e outros apoios sociais. 

 

Foi justamente trabalhando com a perspectiva de áreas protegidas locais e conservadas que estabelecemos diálogos mais próximos com o ICLEI. Colaborei com a UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza), a GIZ e o ICLEI no projeto de áreas protegidas locais. Ao mesmo tempo, na linha de pesquisa que lidero na Universidade de São Paulo (USP), no Departamento de Geografia, abri várias frentes de reflexão. Uma delas foi o sistema de áreas protegidas locais, que atualmente chamamos de áreas protegidas, englobando as unidades de conservação e as áreas conservadas, que são outros tipos de áreas protegidas além das unidades de conservação, embora não façam oficialmente parte do sistema. Esse enfoque de trabalhar com sistemas de áreas protegidas me permitiu compreender o sistema de áreas protegidas e conservadas locais e suas contribuições. 

 

Desde 2015, quando fui presidente do Instituto Chico Mendes, abri perspectivas das unidades de conservação para outros enfoques e diálogos. Nesse contexto, houve reflexões com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto Alana e os Ministérios do Meio Ambiente e da Saúde sobre o papel das áreas verdes na promoção da saúde e do bem-estar. Portanto, esses novos enfoques são de extrema importância, antes abordados pelos profissionais de urbanismo, mas que agora defendo que sejam tratados pelos profissionais da conservação da natureza, juntamente com o urbanismo e a promoção da saúde. Esses novos enfoques me levaram a trabalhar também com o ICLEI na construção de uma proposta de um sistema de diretrizes para áreas protegidas verdes e azuis em nível municipal.

 

 

– Se pudesse resumir esta oportunidade em poucas palavras, o que diria?

 

Primeiramente, vejo uma oportunidade espetacular, pois o ICLEI está empenhado em promover o reconhecimento dos governos subnacionais no alcance das metas globais de conservação da natureza, biodiversidade e também na mitigação e enfrentamento das consequências das mudanças climáticas. Acredito que posso colaborar com meu conhecimento significativo sobre áreas protegidas em níveis nacionais e subnacionais, tanto no Brasil quanto em outros países, e até mesmo nos processos internacionais e globais. 

 

Em segundo lugar, acredito que, juntamente com as outras especialidades do ICLEI, podemos trabalhar para melhorar a qualidade de vida nas cidades e nas comunidades locais, através dos sistemas, conjuntos e interações entre a sociedade e as áreas protegidas e conservadas. Desenvolvi conceitos de progressividade, nos quais a cidade possui áreas verdes próximas de casa, com arborização urbana presente em praças próximas e em locais de fácil acesso no dia a dia das pessoas. Isso permite uma melhor qualidade de vida para todos.

 

 

– Na sua opinião, quais os principais desafios e oportunidades para a implementação de Áreas Protegidas nos territórios?

 

O principal desafio das áreas protegidas é envolver a sociedade. De certa forma, foram processos sociais e socioeconômicos que geraram a degradação da natureza em um nível em que precisamos desses locais e santuários protegidos que acabam sendo defendidos contra a ação da própria sociedade. Portanto, há uma reflexão atribuída a Luxenberg que diz: “Uma cidade que precisa proteger a natureza de si mesma não pode ser uma sociedade séria”. As áreas protegidas enfrentam essa contradição, e isso resultou em uma sociedade doente e insustentável, tornando necessário e importante ter essas áreas. 

 

O desafio da sociedade é se envolver na conservação dessas áreas, mas também há a preocupação de que essas áreas, principalmente as públicas, atendam aos interesses da sociedade. Isso também se estende às áreas que podem ter uma responsabilidade socioambiental corporativa, como organizações da sociedade civil. No entanto, o envolvimento emocional e efetivo de grupos sociais em ações depende do fato de essas áreas protegidas atenderem aos seus interesses.

 

 

– Com territórios cada vez mais urbanizados, qual a chave para a ampliação das Áreas Protegidas nos territórios?

 

Entendo a preferência por usar os termos “áreas”, “espaços” ou “ambientes” em vez de “territórios”. Essas palavras transmitem uma sensação menos dominante e mais inclusiva em relação às áreas naturais protegidas. 

 

Quando consideramos a urbanização, essa questão é tanto espacial quanto populacional, e o Brasil e a América Latina são líderes globais nesse processo. À medida que a população se urbaniza cada vez mais, vemos uma ampliação das áreas urbanas, mas também um esvaziamento populacional das antigas áreas rurais. O grande desafio é trazer um pouco da natureza para esses espaços cada vez mais densamente povoados que são as áreas urbanas. Esses espaços são importantes, pois abrigam um número cada vez maior de pessoas que necessitam de qualidade de vida, e é a natureza e seus benefícios que oferecem isso. 

 

Como podemos viabilizar essa integração? Uma maneira é melhorar os códigos de construção, os códigos de uso do solo e os planos diretores, tudo isso com o envolvimento da sociedade. Existem muitos grupos sociais de vizinhança que lutam pela preservação de áreas verdes em suas regiões, e isso é fundamental para garantir o engajamento e a participação da comunidade.

 

 

– Para você, Áreas Protegidas são…

 

É verdade que as áreas protegidas e conservadas são como santuários, pois a sociedade tem destruído uma grande parte da natureza e dos valores associados a esses espaços. Além disso, essas áreas preservam também valores não físicos, como sítios arqueológicos, sítios históricos e paisagens consideradas importantes, como montanhas, cachoeiras e florestas, por razões históricas, culturais e até místicas. Também é importante considerar o uso dessas áreas por religiões de matriz africana, que precisam ser respeitadas e organizadas. 

 

Essas áreas possuem valores culturais, portanto, as áreas protegidas e conservadas são santuários não apenas da natureza, mas também da cultura. No entanto, elas também devem ser espaços de transformação, onde as pessoas e grupos sociais possam reconectar-se com a natureza, com sua própria humanidade, e assim mudar seu comportamento para valorizar os benefícios que a natureza nos proporciona.

 

 

– Uma realização.

 

Eu me orgulho de várias realizações e vou citar algumas que me trazem orgulho: 

 

  • Ajudei na construção de um programa chamado “Áreas Protegidas na Amazônia”, que contribuiu para proteger 60 milhões de hectares. 
  • Relancei o programa de voluntariado durante minha presidência e diretoria na SEMIBIO, promovendo discussões com a sociedade. 
  • Criei e gerenciei com sucesso áreas protegidas e programas de desenvolvimento sustentável no litoral paulista e em outras regiões durante as décadas de 80 e 90. 
  • Promovi e escrevi um projeto de financiamento para implementação da reserva marinha de Galápagos. 
  • Trabalhei na proteção da zona costeira de Guinea-Bissau, na África Ocidental, nos anos 80 e 90. 
  • Atualmente, estou promovendo um grupo de estudos com centenas de pessoas para a conservação colaborativa de áreas protegidas. O grupo inclui um curso com 15 seminários, a publicação de um livro e a elaboração de um artigo científico internacional sobre sistemas.

 

 

– Uma paixão.

 

Minhas paixões são minha família e meus amigos mais próximos, os quais agora posso receber em minha casa na beira da floresta. Também me encanta cuidar do meu jardim e observar os animais ao redor. Ao longo da minha carreira, sempre me dediquei às áreas protegidas e às comunidades tradicionais. Agora, estou empenhado em utilizar esse conhecimento em prol das cidades, dos governos subnacionais, dos estados e municípios. Quero contribuir para trazer soluções que promovam a harmonia entre a natureza e as comunidades, buscando um desenvolvimento sustentável e um futuro melhor para todos.

 

 

– Um sonho.

 

Um sonho que tenho é ver um planejamento urbano que preserve áreas verdes e azuis, onde a população possa desfrutar desses espaços de maneira equitativa, independentemente de suas áreas de residência. Esse serviço de acesso à natureza deve ser distribuído de forma justa para que todos possam usufruir dele. Além disso, almejo a eliminação das catástrofes que vemos ocorrer repetidamente a cada ano. Desejo que haja boas condições de habitação, com a natureza próxima, proporcionando um ambiente saudável e harmonioso para todos.

 

 

– O ICLEI é…

 

É um caminho e são duas coisas interessantes:

 

  • Uma forma de eu conseguir trazer esse conhecimento que eu adquiri ao longo dos anos e em vários lugares, sobretudo, para uma melhor condição de vida e para gerar essa reconexão da sociedade com a natureza e com sigo mesma

  • É uma pequena revolução e eu digo pequena, porque a revolução fundamental será feita pelos grupos sociais, pela sociedade, coletividade, nos municípios e nas áreas que as pessoas vivem. Essa revolução seria essa reconexão com a natureza e com os outros seres humanos.

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