A segunda edição do “Programa Decidadania: O Clima na Pauta Legislativa”, que teve como objetivo promover o diálogo entre a população e o poder público municipal com foco na agenda climática, foi finalizada em evento on-line nesta segunda-feira, 13 de fevereiro. Por meio da iniciativa, cidadãos puderam deliberar sobre a criação de projetos de lei e de políticas públicas nas três cidades selecionadas para receber as Assembleias Cidadãs: Francisco Morato (Região Metropolitana de São Paulo), Salvador (capital da Bahia) e Toritama (interior de Pernambuco). Os municípios participantes garantem que irão replicar a experiência participativa para outros temas que afetam o cotidiano dos cidadãos.
A segunda edição do Programa do Delibera Brasil, que contou com a parceria do ICLEI América do Sul e da Escola do Parlamento e foi financiada pelo National Endowment for Democracy (NED), teve início em janeiro de 2022. Ao todo, 43 cidades, de 14 Estados e todas as regiões do Brasil se candidataram. O processo seletivo incluiu um Workshop de 15 horas com 13 municípios previamente selecionados.
Silvia Cervellini, Co-Founder do Delibera Brasil, destacou que a organização vem semeando a deliberação cidadã desde 2020. “Agora, estamos colhendo os frutos e chegamos a um patamar de segurança de que este caminho da tecnologia participativa e cidadã é muito promissor para o Brasil.”
O Secretário Executivo do ICLEI América do Sul, Rodrigo Perpétuo, destacou que a visão estratégica de desenvolvimento urbano sustentável da organização está baseada em cinco pilares: baixo carbono; baseado na natureza; resiliente; circular; equitativo e centrado nas pessoas. “O Decidadania reafirma um valor que é indissociável do processo de desenvolvimento sustentável, que é a democracia. Precisamos escalar o debate da mudança do clima na sociedade e, esta iniciativa, tem papel de destaque no compartilhamento de informações e descentralização de decisões com a população.”
Francisco Morato
A Assembleia Cidadã de Francisco Morato, cidade que aderiu à Rede ICLEI durante o desenvolvimento do programa, foi realizada pela Prefeitura em parceria com a Câmara Municipal e teve como objetivo a deliberação relacionada a pergunta: “Como construir um saneamento básico acessível a todos?”. O município realizou amplo chamamento público para o “Delibera Morato” por meio do envio de 2 mil cartas, formulário online disseminado em redes sociais e recrutamento ativo em pontos movimentados da cidade. Cerca de 40 moradores participaram de reuniões entre outubro e novembro de 2022, culminando em um documento de recomendações com deliberação sobre 5 temas vinculados à gestão de resíduos: Usina de Resíduos da Construção Civil; Local de descarte e transbordo; Serviço de coleta, transporte e logística; Coleta seletiva e reciclagem; e Fiscalização, penalização e incentivos. A iniciativa foi acolhida pela Prefeitura e pela Câmara Municipal, que assinaram e protocolaram o documento, ato que institucionaliza as recomendações.
O Vice-prefeito Ildo Gusmão destacou que há muitos temas a serem trabalhados com a população por meio da metodologia participativa. “A Assembleia Cidadã trouxe um grande engajamento de participação popular. Tínhamos apenas uma experiência neste sentido, mas nada comparado ao que foi com este projeto, com o qual fomos aprendendo a cada dia. Foi muito abrangente, tanto a nível territorial, quanto de idade e etnias.”
Salvador
A “Assembleia Cidadã pelo Clima de Salvador” foi implementada pelo mandado da vereadora Maria Marighella, da Frente Parlamentar Mista Ambientalista da Câmara Municipal, e teve a seguinte pergunta como guia: “Quais ações do Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima (PMAMC) de Salvador devem ser priorizadas para a execução do orçamento municipal no quadriênio de 2022-2025, tomando como referência o Plano Plurianual (PPA) vigente?”.
A iniciativa contou com 39 participantes, selecionados a partir de recrutamento porta-a-porta e formulário on-line. Ao longo das seis sessões, o grupo pôde compreender os objetivos, ouvir e questionar especialistas e porta-vozes com diferentes visões, e avaliar cenários alternativos para priorizar investimentos em ações previstas no PMANC para os próximos 4 anos.
Entre as recomendações do grupo destacam-se: investimento de R$ 133 milhões na priorização de ações de implantação da rede cicloviária e implantação de bicicletários próximo a terminais de transporte coletivo; renovação da frota de veículos de grande porte, com recomendação para execução de recursos na ordem de 50% do previsto (economia de R$ 600 mil realocados em outras ações priorizadas); ampliação da acessibilidade nos BRTs, com investimento na integração com outros modais de transporte, utilização de energia renovável para seu funcionamento, contratação de mão de obra local, além de reflorestamento para mitigar os danos; manutenção das ações de criação de uma usina de compostagem e de drenagem e recuperação de encostas; e criação de um conselho popular para acompanhamento da implementação do PMAMC e das demais ações deliberadas pela Assembleia Cidadã.
Thaís Rebouças, Assessora da Frente Parlamentar Mista Ambientalista e representante da vereadora Maria Marighella, destacou que os modelos de participação popular geralmente ficam no campo da consulta pública e não da deliberação. “Foi muito interessante trabalhar com um público que não é militante ou expert. As pessoas se envolveram mesmo sem ter familiaridade com o tema, utilizando dois instrumentos de planejamento que muitos nunca haviam tido contato. Um fator importante para o engajamento das pessoas foi justamente elas saberem que estavam deliberando de fato sobre algo. Vamos tensionar para termos mais iniciativas como esta.”
Toritama
No pequeno município do agreste pernambucano, a Assembleia Cidadã foi intitulada de “RespirAr Puro” e teve como pergunta norteadora “Como as lavanderias industriais podem produzir sem poluir o ar?”. Com sua economia baseada na indústria de confecção, Toritama é responsável por 17% da produção anual de jeans no Brasil. A atividade, porém, tem alto impacto ambiental e na saúde da população. Além de utilizar muita água, recurso escasso na região, as cerca de 70 lavanderias industriais instaladas no município utilizam caldeiras. “Uma parte das lavanderias queima restos de tecido e resíduos nas caldeiras, gerando muitos problemas respiratórios na população”, conta Juliana Lilian de Souza Nunes, Assessora da Vereadora Carol Gonçalves, que propôs a realização da Assembleia Cidadã no município em parceria com a Câmara Municipal.
Com o apoio de especialistas, ao longo de oito encontros, de novembro a janeiro, 40 participantes se voluntariaram para participar da iniciativa por meio de formulário online e recrutamento ativo. Como resultado final, o grupo produziu um relatório com diversas recomendações como: uso e especificação dos filtros para a redução de emissão de gases poluentes das caldeiras; parâmetros específicos de uso de substâncias químicas e materiais de combustão; obrigatoriedade da reutilização da água nas lavanderias; mecanismos de fiscalização de descarte de rejeitos e resíduos; punições para infratores; e possibilidade de incentivo fiscais e parcerias (acordos setoriais) para estabelecimentos que utilizem tecnologias sustentáveis e boas práticas circulares no processo produtivo.
“A gente nunca teve uma ação participativa no município e, com o Decidadania, conseguimos reunir diversos perfis de toda a cidade”, disse Juliana. Brendo Hoshington da Silva, também assessor da parlamentar, afirmou que o programa foi um marco para a cidade e o modelo de participação será replicado para outros temas. Ao corroborar com os colegas da Câmara, o Secretário Municipal de Meio Ambiente, João Paulo da Rocha, destacou que a Prefeitura está preparada para disseminar a metodologia e trabalhar com a população em outros temas.
Texto: Cibele Carneiro